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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

AS ESCOLAS ESTÃO TOMANDO CONSCIÊNCIA


LINO DE MACEDO

        No Brasil, a valorização de um ensino por competências e habilidades na educação básica foi desencadeada pelo Enem. Para a formulação deste exame, de acordo com o proposto nas Leis das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ocorreram-nos as seguintes questões: o que a sociedade, a família e os próprios alunos podem esperar ao término do ensino médio?

       O que levam para sua vida, do que aprenderam na escola? Qual é o valor de uma educação básica para todas as crianças e jovens do Brasil? Entendemos, então, que a melhor resposta para este tipo de avaliação externa seria verificar o quanto e o como os alunos sabiam pensar conteúdos disciplinares em termos de competências e habilidades a eles relacionadas.

      O reconhecimento social desta forma de avaliação repercutiu nas escolas, lembrando-as de que conteúdos disciplinares se não transformados em procedimentos ou modos de compreender as coisas acabam esquecidos ou substituídos por outros. Recuperou-se, assim, o compromisso de se educar para a vida nos termos atuais.

       Nesta nova perspectiva, os professores, designados pelas disciplinas em que são especialistas (matemática, língua portuguesa, história, artes etc.), devem se comportar como "profissionais da aprendizagem". O que era fim (os conteúdos disciplinares) agora são meios por intermédio dos quais os alunos aprendem a pensar, criticar, antecipar, argumentar, tomar decisões.

       Valorizar competências e habilidades na educação básica significa compreender crianças e jovens como capazes de aprender noções básicas das disciplinas científicas, expressar pontos de vista, viver contradições ou insuficiências e construir autonomia.

       Trata-se, de modo geral, de aprender a ser competente para trabalhar em grupo, defender posições, argumentar, compartilhar informações, participar e cooperar em projetos, definir, aceitar ou consentir em regras que organizam ou disciplinam o convívio escolar, respeitar limites de espaço e tempo. Trata-se, de modo específico, de aprender, por exemplo, a fazer cálculos para utilizá-los bem na resolução de um problema, que demanda compreensão, tomada de decisão, demonstração. Conhecer leis da biologia, química ou física entregando-se a suas verdades na prática, ou seja, reconhecendo que aquilo que está nos livros também pode acontecer na realidade.

       Quanto mais uma sociedade é livre, democrática, aberta e sensível à diversidade dos interesses e possibilidades de seus integrantes, mais o exercício da competência é requerido em situações do cotidiano da vida. Maravilha, que ela (a escola) está tomando consciência disto.

LINO DE MACEDO é professor de Psicologia do Desenvolvimento aplicada à Educação do Instituto de Psicologia da USP e um dos formuladores do Enem * Folha de São Paulo, 01/11/09.



TEXTO COM SENTIDO

Abandonar as chatas cartilhas, as famílias silábicas e enxergar o erro como expressão do processo de aprendizagem foram as principais inovações da Escola da Vila

Andréa Luize


        Desde a implantação da Escola da Vila, uma das preocupações da equipe foi estruturar um trabalho baseado na proposta construtivista. Tarefa árdua numa época em que a concepção tradicional de ensino e aprendizagem era dominante! Passados esses anos, as contribuições desta instituição aos avanços da Educação têm sido fundamentais: o que fora considerado ousadia, hoje se mostra como um ponto de referência para as mais diversas escolas e profissionais. As idéias construtivistas acerca do processo de alfabetização vêm sendo cada vez mais divulgadas: as práticas tradicionais não mais encontram espaço onde se busca uma alfabetização atualizada e de qualidade.

         Em 1983, a partir de um primeiro contato com as idéias apresentadas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky, começou-se a repensar a prática cotidiana em sala de aula. Sabemos, atualmente, que um sujeito plenamente alfabetizado é aquele capaz de atuar com êxito nas mais diversas situações de uso da língua escrita. Dessa maneira, não basta ter o domínio do código alfabético - saber codificar e decodificar um texto: é preciso conhecer a diversidade de textos que circulam socialmente, suas funções e também os procedimentos adequados para interpretá-los e produzi-los. O processo de alfabetização, assim entendido, estende-se ao longo de toda a escolaridade e tem início muito antes do ingresso da criança na escola, em suas primeiras tentativas de compreender o universo letrado que a rodeia. Também implica tomar como ponto de partida o texto, pois este, sim, é revestido de função social - e não mais as palavras ou muito menos as sílabas sem sentido.

Transformações - As idéias trazidas pelas autoras citadas, entre outros pesquisadores, indicavam como a criança aprende, como constrói seus conhecimentos sobre a língua, mas não fornecia "modelos" de como atuar pedagogicamente para favorecer seus avanços. Da mesma forma, não mostrava como os diferentes tipos de textos deveriam ser trabalhados em sala de aula. Era preciso construir efetivamente intervenções pedagógicas adequadas, consistentes e condizentes com aqueles conhecimentos teóricos, o que só foi possível a partir de experiências, investigações e muita reflexão por parte dos professores.

          Naquele período, o processo de alfabetização na Escola da Vila tomava como base a idéia de palavra-chave que era utilizada como unidade lingüística. A escolha dessas palavras não acontecia aleatoriamente, mas buscava-se um vocábulo que tivesse um real significado para o grupo-classe, que fosse extraído de suas experiências. As palavras apareciam na medida em que o grupo ia construindo sua história: TOMATE, SAPO, ZEZÉ, MENUDO, PIPA, VIVEIRO. O objetivo era sistematizá-las, tornando-as familiares ao grupo, para que as crianças pudessem, aos poucos, utilizá-las na escrita de outras palavras: era preciso que conseguissem decompor a palavra em sílabas e recompor essas sílabas em outras palavras: MEDO, MATE, MAPA…

           É importante afirmar que a opção por essa metodologia já se mostrava inovadora, pois resultava na certeza de que a cartilha, e a concepção que traz consigo, não era o recurso mais favorável à aprendizagem da escrita, acima de tudo por ser destituída de qualquer significado e apresentar textos desconexos apenas para garantir a "memorização das famílias silábicas". Trabalhar com esse instrumento era acreditar que o ato de ler e escrever podia ser aprendido mecanicamente através do treino, da cópia repetitiva e principalmente da memorização. Essa não era a escolha da Escola da Vila!

Escrita espontânea - Foi através da leitura e análise do livro "Psicogênese da língua escrita", das autoras já referidas, que algumas mudanças na prática foram sendo estabelecidas. Em 1986, a Escola da Vila adotou a escrita espontânea, em que a criança é solicitada a escrever antes mesmo de dominar o código alfabético. Compreendeu-se que a criança, desde muito cedo, possui hipóteses em relação à forma como se escreve. Colocá-las em prática, confrontando-as com as idéias dos colegas e com modelos permite que avance até a conquista da escrita convencional.

          Mesmo assim, a utilização das palavras-chaves era mantida, pois a concepção do que torna um sujeito alfabetizado ainda era restrita. Não havia clareza sobre o que fazer quando uma criança já estava alfabética (já lia e escrevia convencionalmente). A Escola da Vila ainda não havia estabelecido um procedimento para dar continuidade ao trabalho e, de fato, não se tinha idéia da amplitude do processo de alfabetização. Isso pode ser exemplificado pela cisão existente entre o trabalho que objetivava o domínio sobre o código alfabético e o trabalho com a produção de textos: a Escola da Vila acreditava que o primeiro deveria anteceder o segundo; não era clara a idéia de que aconteceriam paralelamente.


Escrita e linguagem escrita - Mais uma vez, a busca por respostas a tantas questões esteve atrelada às reflexões do grupo de profissionais da Escola da Vila, contando com a colaboração da pesquisadora Ana Teberosky, que realizou uma supervisão junto à equipe, em 1986. Dentre as várias contribuições trazidas por essa autora, uma das mais significativas foi a diferenciação entre escrita e linguagem escrita, consideradas, ambas, parte de um mesmo processo, o processo de alfabetização.

         Para Teberosky, a escrita deve ser entendida como um sistema de notação, que no caso da língua portuguesa é alfabético (conhecer as letras, sua organização, sinais de pontuação, letra maiúscula, ortografia etc.). A linguagem escrita é definida como as formas de discurso, as condições e situações de uso nas quais a escrita possa ser utilizada (cartas, notícias, relatos científicos etc.).

        Na prática, no dia-a-dia da sala de aula, tudo isso se concretizou em mudanças gradativas nas propostas e intervenções feitas junto às crianças. Em primeiro lugar, era preciso tomar por base o texto, e não mais as palavras-chaves, como o modelo que permitirá à criança construir conhecimentos sobre a escrita e suas formas de representação. O texto deveria ser o elemento fundamental para inserir a criança no universo letrado!

        Além da escrita espontânea já introduzida anteriormente, também o trabalho com modelos, que permitem às crianças confrontarem suas hipóteses com o convencional, passou a ser considerado. Através de listas de palavras de um mesmo campo semântico (animais, comidas prediletas, personagens de gibi, brinquedos, jogos favoritos, nomes das crianças do grupo etc.), das parlendas e de outros textos, as crianças podem, hoje, ampliar suas concepções e avançar na aquisição da base alfabética, como também na compreensão de outros aspectos aqui inerentes (a grafia correta das palavras, o uso de sinais gráficos etc.).

          Paralelamente, os diferentes tipos de textos precisam aparecer como objetos de análise em si mesmos, permitindo aos alunos diferenciá-los, conhecer melhor suas funções e características específicas. Para que isso se efetive, não só é necessário que saibam interpretá-los, como também escrevê-los (o que é de fato imprescindível!). A expressão pessoal - cartas, bilhetes, diários etc. - continua fazendo parte de nosso trabalho, mas acompanhada, na mesma medida, da escrita de outros textos, inclusive apoiada em modelos.

Todos esses avanços - e principalmente a concepção que temos hoje sobre a alfabetização - permitem caracterizar o trabalho realizado na Escola da Vila por sua qualidade. Também é importante lembrar que a preocupação com essa qualidade faz com que os profissionais que aqui atuam estejam em constante capacitação, a fim de aprimorar cada vez mais as intervenções pedagógicas realizadas e o atendimento às necessidades de cada criança.

 
Alfabetização e Educação Infantil: Relações Delicadas


         Pode-se dizer que essa questão é um dos grandes dilemas da educação infantil. Entre os que defendem a alfabetização inicial há diferentes posições e entre os que são contra também as opiniões divergem. O professor premido por concepções conflitantes, pela pressão das famílias, pela ação das crianças, sempre que pode quer refletir sobre o assunto.

         Isso foi o que aconteceu com um grupo de professoras da rede municipal de Caieiras, que tendo participado de um curso ministrado pela formadora Ana Lucia, trouxe a questão da alfabetização na educação infantil para o centro do debate. Ela recebeu uma pergunta aparentemente simples: O que você acha de alfabetizar na educação infantil?

         Por trás dessa legítima demanda dos professores há uma complexa rede de concepções a serem analisadas, que vão desde o que é ser criança hoje, a função social da educação infantil, o ensino e a aprendizagem e evidentemente de que alfabetização falamos. As respostas em geral não dão conta de esgotar todo o assunto. E é sempre importante ampliar o debate.

A criança e a cultura letrada

     Para a formadora Ana Lucia, a resposta para essa pergunta está no próprio contexto em que a criança vive: Em nossa sociedade as crianças estão desde cedo em contato com a língua escrita e logo se int  eressam por ela, pela sua função social e querem saber sobre o seu funcionamento. Quanto mais contato, maior o interesse e a curiosidade. O longo processo de alfabetização se beneficia muito com a aproximação das crianças ao mundo letrado. O papel da escola é fazer valer o direito que todos têm de fazer parte desse universo, inclusive as crianças pequenas. Principalmente as escolas que atendem crianças de baixa renda, precisam planejar com cuidado um contato prazeroso e eficiente com a escrita.

        Além dessa perspectiva social,Ana Lucia também se apóia nas contribuições trazidas pelo pensamento de Vigotsky: Concordo com a perspectiva de Vigotsky, quando ele diz que a instrução é válida quando precede ao desenvolvimento, ou seja, não faz sentido a escola esperar o “momento ideal” para começar a ensinar a ler e escrever. Sabemos que esse é um processo contínuo e que nele podem estar incluídos desafios possíveis e prazerosos para a criança e que por meio da superação desses desafios é que ela se desenvolve e pode avançar ainda mais em seus conhecimentos e competências.

        É plenamente justificável que a escrita seja objeto da atenção dos educadores: a concepção de escrita de Vigotsky, associada ao sistema simbólico de representação da realidade, está ligada ao próprio núcleo de sua teoria da linguagem, trazendo questões fundamentais como a da mediação
simbólica. Sobre isso, Marta Kohl, estudiosa do pensamento de Vigotsky, afirma: Como a escrita é uma função culturalmente mediadora, a criança que se desenvolve numa cultura letrada está exposta aos diversos usos da linguagem escrita e a seu formato, tendo diferentes concepções a respeito desse objeto cultural ao longo de seu desenvolvimento.A principal condição necessária para que uma criança seja capaz de compreender adequadamente o funcionamento da língua escrita é que descubra que a língua escrita é um sistema designos que não têm significados em si. Os signos representam outra realidade; isto é, o que se escreve tem uma função instrumental, funciona como um suporte para a memória e a transmissão de idéias e conceito.

        A criança que vive em uma cultura letrada – pois não estamos tratando aqui das populações indígenas, por exemplo, provenientes de comunidades ágrafas – tem a possibilidade de vivenciar um processo de alfabetização favorecido pelo contato com o meio. E isso não se dá de modo espontâneo e natural mas incentivado por um informante mais experiente, um adulto ou mesmo outra criança. Para tanto, deverá conhecer e se apropriar desde cedo dos usos da língua escrita presente em seu mundo.

Alfabetizar ou não, uma pergunta mal formulada

      Emília Ferreiro, embora tenha sido influenciada por Piaget, traz em sua Psicogênese da Língua Escrita idéias que também se justificam segundo o pensamento de Vigotsky e de Luria.Ambos entendem que a escrita é um sistema de representação da realidade e concordam que a alfabetização é resultado de um domínio progressivo desse sistema, que não se resume à conquista de habilidades meramente mecânicas e/ou visuais. Por isso pode se iniciar muito antes do ingresso na escola de ensino fundamental.As idéias desenvolvidas por Ferreiro também justificam a presença de um ambiente alfabetizador, desde cedo. Para ela a pergunta que envolve sim ou não está muito mal formulada: O que digo é que a pergunta está malfeita, porque pressupõe que a resposta NÃO equivale a deixar essa responsabilidade para o Ensino Fundamental, e a resposta SIM pressupõe introduzir na préescola as más práticas tradicionais do Ensino Fundamental. O que proponho é substituir a pergunta centrada no ensino por outra centrada na aprendizagem: Deve-se permitir ou não que as crianças aprendam sobre a língua escrita na préescola? Nesse caso, a resposta é redondamente afirmativa.

        E a justificativa para sua afirmativa, para a defesa da presença da cultura escrita desde cedo, ainda na educação infantil, é bastante esclarecedora: a simples presença do objeto não garante conhecimento, mas a ausência do objeto garante o desconhecimento. Se eu quero que a criança comece a construir conhecimento sobre a língua escrita, esta tem de existir. Se eu a proíbo, garanto que a criança não possa se fazer perguntas sobre esse objeto porque eu o fiz desaparecer dentro da sala de aula.

       Se proíbo a língua escrita, crio um ambiente escolar no qual a escrita não tem nenhum lugar, ao passo que no ambiente urbano a escrita tem seu lugar; imponho que as educadoras funcionem como se não fossem pessoas alfabetizadas. Em outras palavras, crio uma situação anômala.

      Deve-se, então, permitir que a criança pense sobre a linguagem escrita na escola de educação infantil. E para isso ela tem que estar presente.Trata-se, pois, de pensar de que forma é possível apresentá-la respeitando a cultura da infância, propondo situações onde ler e escrever tenha sentido para as crianças e faça parte da vida cotidiana.

Brincar ou alfabetizar?

      Essa é outra pergunta mal formulada e pressupõe imediatamente uma exclusão desnecessária.As posições antagônicas não ajudam a avançar nem a brincadeira nem o conhecimento da língua escrita. Nas sociedades urbanas as crianças brincam incorporando ações dos adultos, que incluem também eventos onde ler e escrever fazem sentido. Quando se proíbe que o educador desenvolva atividades de leitura e escrita em uma concepção que respeita o processo de construção de conhecimentos da criança, abre-se caminho para que as práticas equivocadas de alfabetização apareçam, ainda que disfarçadas, quando o controle das equipes dirigentes não é efetivo. Crianças pequenas devem brincar muito na educação infantil, mas também precisam ter contatos sistemáticos com leitura e escrita.A isso chamamos alfabetizar em um contexto amplo,muito diferente de fazer exercícios de coordenação motora, aprender letras isoladas, copiar sílabas ou palavras “fáceis”. Essas práticas nefastas persistem e continuarão presentes na educação infantil enquanto a discussão sobre os processos de alfabetização não for levada a efeito com seriedade e concretude.

Alfabetizar para incluir

       É curioso notar que a despeito das melhores intenções, muitas vezes a pretexto de proteger a cultura da infância, se nega às crianças o direito de se relacionar na plenitude com a língua materna. Cria-se, na educação infantil, um ambiente estéril de onde a língua escrita é quase banida. E são as crianças de baixa renda as maiores prejudicadas por esse afastamento.

       Se para a criança dominar a linguagem escrita, tal como se manifesta no mundo – é preciso percorrer um longo processo de reflexão e reformulação de hipóteses próprias para compreender o que é essa escrita, para que serve e como funciona –, o acesso cotidiano é fundamental.

      Temos assim não só um problema pedagógico, mas também ético e político. Podemos negar às crianças de baixa renda o acesso? É sobre isso que a escola de educação infantil deve pensar.

      Telma Weisz, doutora em psicologia da educação, dedicando-se há anos à causa da alfabetização, questiona: Será que temos, novamente, mais um argumento para provar sua inferioridade (das crianças pobres)? Vejamos, então, o que se passa.

      Para uma criança caminhar em seu processo de alfabetização, ela precisa pensar sobre a escrita. E para isso precisa entrar em contato com esta. Esse contato implica tanto o acesso aos portadores de textos como a atos reais de leitura e de escrita. Uma família de classe média compra livros de história e revistas em quadrinhos para seus filhos ainda não alfabetizados, freqüentemente lê para eles e realiza cotidianamente uma quantidade enorme de atos de leitura e escrita que permitem à criança pensar sobre para que serve a escrita e todas as possibilidades que ela abre.As famílias de classe média ensinam seus filhos pequenos a escrever o próprio nome e o das outras pessoas da casa sem nenhuma preocupação escolar. Apenas porque as crianças se mostram interessadas. E essas se mostram interessadas porque o ato de escrever (ou ler) é visivelmente importante no meio em que elas vivem.

       Não é de se estranhar que sejam essas as crianças que têm bom desempenho na escola, elas já entram praticamente alfabetizadas.Não é também de se estranhar que as crianças que vêm de comunidades onde o jornal serve para tudo, menos para ler, onde a leitura e a escrita quase não fazem parte do cotidiano, onde os informantes são raros e inseguros, tenham hipóteses primitivas sobre a escrita. Não é possível pensar sobre um objeto ausente.

       Essas considerações, longe de encerrar o debate, abrem caminho para que se compreenda a questão da alfabetização na pré-escola sem preconceitos e com responsabilidade.

: fonte: Revista Avisa Lá,

ARTIGO: BARALHOS, DADOS E EDUCAÇÃO


A educadora Kátia Stocco Smole defende a realização de atividades lúdicas para desenvolver o raciocínio dos alunos. Para ela, os jogos têm de ser planejados, precisam ser utilizados várias vezes e não podem deixar de ser divertidos.


Baralho,dados e educação

      A educadora Kátia Stocco Smole, doutora em Educação pela faculdade de Educação da USP e

coordenadora do grupo Mathema de pesquisas em ensino, diz que toda criança aprende com os jogos, pois eles desenvolvem o raciocínio, as regras de convivência em sociedade e são muito acessíveis. “Com um baralho e dois dados é possível fazer vários jogos.” Ela defende que nos ensinos infantil e fundamental os alunos devem trabalhar com um jogo por mês, em atividades semanais. “Do ensino médio em diante, pode ser um jogo a cada dois meses.”

       Segundo ela, o jogo por si só não deve ser considerado um transmissor de conhecimento, mas quando levado para a escola, proporciona melhor aprendizado. “Para ser usado em sala de aula, o jogo exige estrutura, planejamento. Deve-se manter o jogar por prazer, mas com intencionalidade. A tarefa da escola é ensinar. Qualquer recurso que ela use deve ir além da diversão, sem perder o lado lúdico, mas também não pode ocorrer sem planejamento e intervenção”

        Na escola, o jogo melhora as relações com outras pessoas e desenvolve diversas formas de raciocínio. “Os jogos podem ser usados em vários conteúdos específicos como português, matemática e até geografia ou história.” Para a educadora, existe uma coisa comum a qualquer jogo: todos simulam relações sociais.

“Entender as regras e qual é o papel delas numa relação de grupo é muito importante. As regras não são imutáveis, mas para mudar é preciso discutir com os parceiros. Os alunos expõem seus pontos de vista e discutem opiniões. Com isso, as crianças simulam regras de convivência social.”

        Outra questão interessante das atividades lúdicas, de acordo com Kátia, é o roubo no jogo. “O que isso significa? Transgressão? Com a atividade lúdica a criança descobre que não pode roubar. Não se trata de uma regra moralista, pois o participante pode sofrer conseqüências se trapacear. São as punições definidas pela regra que dizem o que pode e não pode ser feito.”

      Kátia também explica que os jogos auxiliam os alunos no processo de apropriação da leitura e da escrita e trabalham conceitos matemáticos e a resolução de problemas. Ela cita WAR como exemplo de um jogo de desenvolvimento de estratégia e de conteúdos como geografia e história. “Muitos conceitos podem ser explorados com as atividades lúdicas, principalmente os relacionados a matemática e português.”

Como trabalhar

      Kátia aconselha os professores a pesquisar o jogo que irão trabalhar em sala, providenciar todo o material necessário, planejar como ensiná-lo para as crianças antes de levá-lo para a escola. “Não dá para levar um jogo para sala sem conhecer todas as regras e haver analisado os conteúdos que podem ser desenvolvidos. O professor precisa ter definido se haverá modificações nas regras ou na maneira de jogar. Ele não deve dar o material nas mãos das crianças e depois querer ensinar as regras. Pode fazer uma roda, pegar quatro crianças e demonstrar uma partida com elas. Depois outras quatro e aí distribuir as que jogaram em outros grupos.” Avaliação da atividade, segundo a educadora, também é fundamental. “Depois de jogar três, quatro vezes, é preciso avaliar. Continua, pára, troca?”

       Outra sugestão da educadora é que não se jogue apenas uma vez, mas várias para que haja apreensão. “Na primeira vez, os alunos estão conhecendo as regras, principalmente na educação infantil e na fundamental. As crianças, quando conhecem um jogo, querem jogá-lo muitas vezes.”

        O professor, explica Kátia, deve manter o mesmo jogo durante um mês, realizando atividades semanais, sempre procurando explorá-lo de formas diferentes. “O segredo não é fazer muitos jogos, mas fazer alguns e bem feitos. Na educação infantil e no ensino fundamental, o educador pode trabalhar um jogo por mês. Seis a oito jogos por ano.

       Também é preciso conversar com os alunos sobre o que foi bom, o que aprenderam se haverá mudanças de regra e decidir se será mantido o mesmo grupo de alunos participantes. Ele pode propor que os alunos façam textos ou desenhos sobre o jogo, essa é uma atividade bem interessante, mesmo em matemática.”

Dicas de Jogos

      Kátia sugere alguns jogos que podem ser trabalhados em aula com alunos de ensino infantil e fundamental:

Memória de dez – Deve ser jogado como um jogo de memória, aquele no qual a criança olha as cartas, depois vira as imagens para baixo e tenta lembrar onde estavam. Pode ser feito com um baralho normal, usando as cartas do ás até o nove, de todos os naipes. Deve ser um baralho para cada grupo de quatro crianças.

Modo de jogar: os alunos embaralham e espalham as cartas com os números virados para baixo. Cada participante desvira duas cartas e soma os números delas. Sempre que a soma for 10, ele pode retirar as duas cartas e jogar novamente. Por exemplo, 2 e 8 dá 10, ele retira as cartas e repete o jogo. 4 e 3 igual a 7, as cartas ficam onde estão, viradas para baixo. Ganha quem terminar a partida com mais cartas retiradas. “Este jogo desenvolve a escrita e a leitura de números e o conceito de adição e subtração. Se tenho uma carta com número 6, para chegar a 10 faltam 4. O professor pode propor problemas: "A Kátia tirou 6 numa carta e 8 na outra, ela formou 10? Por quê?"; " Quais são todas as possibilidades de somar 10 com o baralho?"; " A Kátia formou um par de 10; tirou 7 numa carta, qual foi a outra? ". Cada vez que a criança resolve esses problemas ela joga melhor. Os alunos também podem fazer e consultar uma lista com os pares de números cuja soma é 10. O importante na atividade é investigar e discutir.”

Jogos de trilha – Para Kátia, os jogos de modo geral são recursos ótimos e baratos para trabalhar em sala de aula. “O professor só precisa de um par de dados e baralho, com isso se faz muita coisa. Jogos de trilha são acessíveis e fáceis de jogar. Com eles, as crianças trabalham relações de números com leitura e escrita. Nas partidas elas têm que seguir e voltar na trilha, enfrentar punição quando param em determinada casa. O professor pode pedir para alunos desenvolverem estes jogos. Basta papel, cola e lápis de cor. Cada grupo de quatro alunos faz um jogo.” Os jogos de trilha são aqueles nos quais os participantes jogam dois dados, somam as faces, e avançam casas de acordo com o resultado. As casas da trilha são numeradas e trazem textos do tipo: ‘se você chegou aqui na casa 7, deu azar, recue 3 casas. Na casa 9, deu sorte, avance 5’. Vence quem completa o percurso primeiro. De acordo com a educadora, há jogos para trabalhar as quatro operações matemáticas fundamentais (adição, subtração, divisão e multiplicação), além de contagem e sistema de operação decimal. “Com o pega-varetas é possível realizar todo o trabalho de numeração, da unidade até as dezenas. Dá até para trabalhar com números negativos.”

Jogo das sete cobras
       Ela afirma que há bons jogos clássicos que ajudam a desenvolver diversos conceitos importantes. “Dama, jogo da velha e xadrez, por exemplo, trabalham estratégia e são fundamentais para matemática. Para trabalhar compra e venda há o Banco Imobiliário.” Já na educação infantil, há
muitos jogos para tratar de noção de espaço, cores, formas geométricas. “Até o jogo das sete cobras São necessários dois dados e que cada grupo de alunos escreva num papel números de 2 a 12, excluindo o 7. Como jogar: com a lista dos números, cada participante joga os dois dados e soma as faces, riscando da lista o número. Por exemplo, 2 e 3 , dá 5, risca o 5. Porém, quando a soma dá 7, o participante desenha uma cobra em sua lista. Ganha aquele que riscar todos os números da lista ou se o adversário desenhar sete cobras primeiro. Ou seja, quem faz as sete cobras, perde. “As crianças acham que é fácil riscar todos os números, mas no decorrer da partida descobrem que alguns números são mais difíceis de sair. Para somar 7 há várias combinações que os dados apresentam. Já para 12 só há 6 e 6. Com isso o professor pode discutir e desenvolver noções de probabilidades. Tirar 7 ou 12, qual é a maior probabilidade?” E a memória de dez são adaptáveis para educação infantil.”

       Para ela, os professores precisam entender que o jogo em grupo causa barulho na sala de aula. “São crianças barulhentas, mas envolvidas com a atividade. Há professores que têm medo dos jogos, não sabem se as crianças estão acertando. O educador deve observar os alunos jogando, sem se aproximar muito e dar muitos palpites. Terminada a atividade, ele precisa garantir um tempo de 15 minutos para discutir o que viu e propor desafios. Há muito receio. Os professores acham que faltam jogos, mas hoje a literatura é vasta, há jogos baratos e ele pode até construí-los.”

Divertir é preciso

      É fundamental que o professor não permita que o jogo deixe de ser divertido. “O professor não pode ficar em cima das crianças. Na educação infantil, os alunos adoram trilha, mas se o professor ficar muito em cima perguntando em que casa o aluno está e para onde ele vai, a partida perde a graça para a criança. O professor deve observar, registrar e só tirar dúvidas, ou realizar questionamentos antes ou depois da atividade.”

    Kátia ressalta dois erros na utilização dos jogos dentro da escola: o lúdico pelo lúdico (usar o jogo sem planejamento) e achar que a atividade não deve ser divertida. “É impossível pedir para as crianças jogarem em silêncio. O educador que combine com os alunos para eles não extrapolarem, mas silêncio ou falta de vibração, não dá. Se não houver desprendimento, o lúdico é destruído. Jogo muito fácil também não funciona.”

Video-games

     Os jogos de videogame, para a educadora, não têm o que os jogos oferecem de melhor, que é o convívio. Em escolas há softwares para trabalhar alguns conteúdos, como matemática. Funcionam, mas excluem o convívio e não proporcionam desenvolvimento motor. Vivemos em sociedade, tratar de ética, convivência, tolerância é importante. O videogame não é exatamente o ideal, faz parte da cultura da garotada, oferece desenvolvimento intelectual, mas tem restrições.”

Jogos e brincadeiras: As brincadeiras, defende Kátia, têm um limite que o jogo não tem: a idade. “Brincadeira é melhor para crianças de primeira, segunda série, pois não desenvolvem conceitos mais complexos. Elas funcionam melhor no ensino infantil e no começo do fundamental. Boliche, amarelinha, corda, pegador, desenvolvem contato, coordenação motora, relação entre os alunos. São atividades tão vastas quanto o jogo e não são feitas sentadas. Permitem lateralidade, consciência corporal, conceitos importantes para quem está nessa faixa etária. A brincadeira também deve ser trabalhada semanalmente, uma vez por mês. Leva tempo para desenvolver todas as habilidades. A maioria das crianças não conhece essas brincadeiras, é possível até um resgate histórico com pais e avós.”

*fonte: DIÁRIO DO GRANDE ABC - DIÁRIO NA ESCOLA, 17/10/03

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